“SERES INSENSÍVEIS”
“Vi
ontem um bicho. Na imundície do pátio. Catando comida entre os detritos. Quando
achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O
bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era
um homem.” (O BICHO de Manuel Bandeira Rio, 27 de dezembro de 1947).
De
1947 a 2013, pouca coisa mudou, aliás, nem todas. Hoje infelizmente vemos com
mais naturalidade a mesma cena. Talvez estejamos cansados, anestesiados,
enfastiados frente o sofrimento humano, talvez estejamos colocando botox na “alma”,
e plastificando o sangue e a consciência.
Às
vezes dirijo olhares distantes sobre esses seres “invisíveis”, e volto a mim
mesmo com pesar quando escrevo. Eu também os trato como se não existissem, como
se não estivessem a mendigar um olhar mais humano sobre o seu sofrimento.
Mantenho-nos
distantes, desconfiados... Pré julgamos a condição alheia sem ao menos nos
darmos conta de seus sofrimentos, de suas dores, de sua história. Recentemente
perdi um parente que vagava pelas ruas, sem lenço, sem documentos, sem a
dignidade usurpada pela sociedade que a muito o enxergava como um lixo
ambulante, uma escoria que nos perturba para conseguir uns vinténs com o único
objetivo de alimentar o vicio. Mas não sabem eles, não soube eu, que as dores,
os sofrimentos, o desprezo foram insuportáveis demais para o frágil corpo
humano.
“Vi ontem um bicho. Na imundície do pátio.” Não
somente do pátio, nas esquinas das praças, nas vielas, em todas as partes. Vejo
seres invisíveis com uma frequência assustadora, vejo vidas destruídas, pessoas
calejadas pela dor, vejo homens, mulheres, idosos e crianças a mendigar um
pedaço de pão, uns poucos vinténs, um olhar mais humano. A realidade muitas
vezes é cruel, a vida não é sempre um lindo sonho colorido, mas podemos sim mudá-la
com menos discursos e mais atitude.
Reflexão e Atitude,
Fernando Saraiva